Hoje é dia de parceria aqui no blog. Para quem não sabe, sou uma Educadora Parceira da Companhia da Educação, o departamento de educação da editora Companhia das Letras. A cada dois meses, em 2021, eu recebi um livro da editora para resenhar para vocês e o livro do mês é "Radioativos - Marie & Pierre Curie, uma história de amor e contaminação", de João Lauren Redniss e traduzido por Antônio Xerxenesky. Esta obra foi inspiração para Marjane Satrapi escrever "Persepólis".
Não sei se este livro pode mesmo ser definido como uma história em quadrinhos, pois não segue o formato tradicional desse gênero, mas é um livro em que a linguagem verbal e não verbal caminham juntas, com ilustrações incríveis (e também um pouco perturbadoras) da própria Redniss. Com certeza, sua leitura em sala de aula merece um trabalho conjunto com o professor ou professora de Artes, para analisar de maneira mais aprofundada as imagens que compõem esta obra - pois, confesso, eu não daria conta de fazer isso.
A obra é uma biografia que conta a história do famoso casal Marie e Pierre Curie, no entanto com foco maior na vida desta mulher que foi a primeira em muitos aspectos: a primeira mulher da família a continuar os estudos; a primeira professora mulher da renomada Universidade de Sorbonne; a primeira mulher a ganhar um Nobel (em 1903, de Física); depois a primeira mulher (e única) a ganhar o prêmio Nobel duas vezes (em 1911, de Química); a primeira mulher a ter o corpo sepultado no Panthéon, o mausoléu das grandes celebridades francesas, que fica em Paris.
Pra quem não sabe, o casal Curie descobriu os elementos polônio e rádio e são conhecidos como os pais da radioatividade. Como não conheciam os perigos desses elementos para a vida humana, Pierre chegou até mesmo a amarrar um tubo de rádio no braço por um dia para observar as lesões causadas por ele e Marie dormia com sais de rádio ao lado da cama para vê-los brilhar. Por causa disso, foram fortemente contaminados por toda essa radioatividade, o que sugou as energias de Marie durante suas duas últimas décadas de vida, culminando na sua morte em 1934, quando ela tinha 66 anos. O marido havia morrido muitos anos antes em um acidente.
Este livro é bem diferente de tudo que já li. Além das imagens e da biografia dos cientistas, ele também traz relatos de outros cientistas e trechos informativos sobre questões ligadas à radioatividade, como a bomba atômica. Por causa desses trechos mais informativos, que apresentam informações sobre o funcionamento dos elementos descobertos pelo casal, acho que existe a possibilidade do livro não agradar muito aos alunos - exceto aqueles que sejam mais vidrados por ciência. Um outro "porém" desse livro é que ele tem um preço elevado - custa R$84 no site da Companhia das letras -, o que dificulta sua adoção por escolas.
Abaixo seguem algumas sugestões de atividades que podem ser realizadas ao longo da leitura do livro e suas respectivas habilidades - selecionei apenas habilidades referentes ao 8º e 9º anos, pois só dou aula para turmas do Ensino Fundamental 2 e não tenho muita familiaridade com as habilidades da BNCC do Ensino Médio, mas com certeza o livro pode ser lido por alunos desse outro nível de ensino.
ATIVIDADES QUE PODEM SER FEITAS EM SALA DE AULA
1. O que falam as imagens?
Com certeza é preciso parar para pensar sobre as imagens que compõem a obra, mas aqui acho que vamos precisar de ajuda de quem trabalha com Artes - inclusive, se você é professor de Artes e tiver alguma sugestão de atividade, manda aqui pra gente.
2. O gênero biografia
O livro não conta a história de vida da Marie Curie de maneira cronológica, linear e organizar, pois, como disse, há outros textos e citações que são inseridos ao longo das páginas. A organização dos elementos desse texto biográfico deve ser analisada em aula e acho interessante propor aos alunos alguma atividade em que eles tenham que reorganizar essa narrativa e/ou recontá-la a partir dos momentos que são mais importantes/marcantes.
(EF89LP33) Ler, de forma autônoma, e compreender – selecionando procedimentos e estratégias de leitura adequados a diferentes objetivos e levando em conta características dos gêneros e suportes – (...) contos contemporâneos, (....) dentre outros, expressando avaliação sobre o texto lido e estabelecendo preferências por gêneros, temas, autores.
(EF69LP47) Analisar, em textos narrativos ficcionais, as diferentes formas de composição próprias de cada gênero, os recursos coesivos que constroem a passagem do tempo e articulam suas partes, (...) identificando o enredo e o foco narrativo e percebendo como se estrutura a narrativa nos diferentes gêneros e os efeitos de sentido decorrentes do foco narrativo típico de cada gênero, da caracterização dos espaços físico e psicológico e dos tempos cronológico e psicológico, das diferentes vozes no texto (...).
3. O sexismo na ciência
Marie Curie nasceu no século XIX e entrou muito jovem para um mundo dominado por homens - entre 0s 1800 alunos da Faculdade de Ciências da Sorbonne, havia apenas 23 mulheres -, por isso boa parte da sua história mostra como ela precisou romper estereótipos que impediam as mulheres de serem reconhecidas por seu trabalho científico. Inclusive, pergunto-me se ela realmente teria sido reconhecida se não tivesse iniciado seu trabalho em conjunto com o marido.
Um momento marcante em relação a isso é quando Marie Curie, já viúva, passa a se relacionar com Paul Langevin, outro cientista importante da época. O problema é que ele era casado. Na época, Marie ganha o seu segundo prêmio Nobel e foi desconvidada da premiação por estar tendo um caso com Langevin. O que chama atenção é que homens em situações semelhantes já haviam recebido o prêmio. Ou seja...
Ao ler esse livro, acho essencial pesquisar com os alunos o papel e o espaço das mulheres na Ciência. É possível pesquisar/escrever a biografia de outras mulheres cientistas e/ou fazer uma pesquisa sobre a participação das mulheres na ciência hoje: qual é a porcentagem das mulheres em cursos de ciência? E como professoras desses curso? Quantas mulheres ocupam cargos de liderança em instituições científicas? Quantas mulheres ganharam o Nobel depois de Marie Curie?
(EF69LP44) Inferir a presença de valores sociais, culturais e humanos e de diferentes visões de mundo, em textos literários, reconhecendo nesses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as identidades, sociedades e culturas e considerando a autoria e o contexto social e histórico de sua produção.
(EF69LP30) Comparar, com a ajuda do professor, conteúdos, dados e informações de diferentes fontes, levando em conta seus contextos de produção e referências, identificando coincidências, complementaridades e contradições, de forma a poder identificar erros/imprecisões conceituais, compreender e posicionar-se criticamente sobre os conteúdos e informações em questão.
4. Os avanços das pesquisas de Marie Curie
O livro apresenta alguns avanços (nem todos eles positivos) conquistados graças às descobertas dos Curie, como a radiografia e a bomba atômica. Uma atividade interessante seria organizar esses avanços (que aparecem inseridos no meio do livro) e pesquisar outros que não foram incluídos na biografia. Este é um trabalho que pode ser feito em parceria com os professores de Ciências.
(EF69LP32) Selecionar informações e dados relevantes de fontes diversas (impressas, digitais, orais etc.), avaliando a qualidade e a utilidade dessas fontes, e organizar, esquematicamente, com ajuda do professor, as informações necessárias (sem excedê-las) com ou sem apoio de ferramentas digitais, em quadros, tabelas ou gráficos.
5. Pode juntar Ciência e ficção?
Enquanto lia o livro, foi publicada esta notícia que me deixou completamente fascinada: Marie Curie: por que anotações de cientista ficarão guardadas em caixas de chumbo por 1,5 mil anos.
Como todos os objetos que estiveram próximos ao casal Curie, os cadernos da cientista podem ser altamente perigosos para o ser humano. O casal descobriu dois elementos químicos: o rádio e o polônio (chamado assim em homenagem à Polônia, país onde a cientista nasceu, em 7 de novembro de 1867). Mas os dois cientistas nunca imaginaram os efeitos nocivos que a radioatividade poderia ter sobre o nosso organismo.
Dessa forma, qualquer objeto relacionado a ela e que ainda é mantido deve ser guardado com precauções extras e em caixas de chumbo, incluindo o próprio corpo da cientista, o primeiro de uma mulher a ser sepultado, por seus próprios méritos, no Panteão de Paris, o célebre mausoléu das glórias da França. Foi preciso construir um sarcófago de chumbo com mais de 2 cm de espessura para evitar que os átomos radioativos que ainda saem do corpo de Curie escapassem.
A casa em que Marie trabalhou por último, chamada por muitos de "Chernobyl do Sena", também permanece lacrada e isolada. Acho que essa notícia seria um excelente estopim para a escrita de um conto (de ficção científica? policial?) inspirado na história de Marie e suas anotações. E se houvesse, nessas anotações, descobertas não divulgadas por Marie? E se essas anotações fossem roubadas da Biblioteca Nacional da França? E se sua antiga casa fosse invadida?
(EF89LP35) Criar contos ou crônicas (em especial, líricas), crônicas visuais, minicontos, narrativas de aventura e de ficção científica, dentre outros, com temáticas próprias ao gênero, usando os conhecimentos sobre os constituintes estruturais e recursos expressivos típicos dos gêneros narrativos pretendidos, e, no caso de produção em grupo, ferramentas de escrita colaborativa.
(EF69LP51) Engajar-se ativamente nos processos de planejamento, textualização, revisão/ edição e reescrita, tendo em vista as restrições temáticas, composicionais e estilísticas dos textos pretendidos e as configurações da situação de produção – o leitor pretendido, o suporte, o contexto de circulação do texto, as finalidades etc. – e considerando a imaginação, a estesia e a verossimilhança próprias ao texto literário.
Reforço que as atividades aqui propostas não precisam se dar no esquema pergunta-resposta, também não precisam necessariamente culminar na produção de um texto escrito. Há outras maneiras dos alunos apresentarem os resultados de uma pesquisa ou de um debate; eles podem produzir, por exemplo, vídeo, podcast, linha do tempo no Padlet, post em redes sociais, entrevista (ficcional, inclusive) etc. É importante variar os gêneros estudados e produzidos pelos alunos.
Espero que tenha gostado da resenha e das sugestões de atividades.
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Na seção PARA LER NA ESCOLA, você vai sempre encontrar resenhas de livros literários (também conhecidos como paradidáticos) que são adequados para ler com os alunos do Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio. Também haverá sugestões de atividades, exercícios e temas que podem ser trabalhados com os alunos durante a leitura.
RADIOATIVOS - Marie & Pierre Curie, uma história de amor e contaminação Lauren Redniss
Tradução: Antônio Xerxenesky
Lançado em 2021, 208 p.
Companhia das Letras
Radioativos conta a história de Marie Curie, a física polonesa radicada na França famosa por seu trabalho com a radioatividade – e a primeira pessoa a ganhar o Nobel duas vezes. O livro mostra sua infância, sua história de amor e colaboração científica com o marido Pierre, e a maneira como suas descobertas, que incluíam o rádio e o polônio, os envenenaram em câmera lenta.
Para as ilustrações, a autora usou um processo chamado impressão cianotipada, em que um desenho, através de um processo químico que envolve luz solar, se transforma numa espécie de negativo brilhante do original. E a partir de entrevistas com cientistas, engenheiros, sobreviventes de bombas atômicas e a neta de Marie e Pierre Curie, Redniss recriou com fidelidade a atmosfera e os embates científicos da Paris fin de siècle. Com um texto extraordinário e ilustrações deslumbrantes, Radioativos é uma narrativa vibrante, uma história de amor cheia de emoção e, sobretudo, uma obra de arte perfeita.
Indicado para: 8º e 9º anos e Ensino Médio Temas: biografia, ciências, história em quadrinhos, história mundial, radioatividade.
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