A jovem que estampa a capa deste post é Liliane, uma das sobreviventes do atentado à escola de Realengo, que aconteceu em 7 de abril de 2011. Daniela Kopsch era jornalista da revista Capricho na época e foi enviada à escola para cobrir o atentado. Ela acabou abandonando a cobertura antes da finalização do caso, após assistir ao enterro de uma das alunas gêmeas que havia sido assassinada no massacre. "Não dá mais", ela disse a sua editora.
Mas histórias assim não nos abandonam. Anos depois, ela voltou a procurar sua editora para contar que estava pensando em escrever um livro de ficção sobre a tragédia. "O pior dia de todos" é esse livro. Segundo a autora, ela escolheu a ficção porque acredita que "a literatura nos oferece respostas que a realidade não é capaz de nos dar" (p. 255). Foi assim que ela criou Malu e Natália, as protagonistas desta história. Embora elas nunca tenham existido de verdade, representam muitas das meninas brasileiras que nasceram pobres e negras em uma periferia do país.
Quando li este livro pela primeira vez, não tive como não me reconhecer em muitas de suas páginas. As dificuldades de estudar em uma escola pública, os perrengues e apertos financeiros, a aposta no estudo como mudança de vida, as (auto)cobranças para ser uma boa aluna. Mas também me reconheci naquela cena de 7 de abril de 2011. Foi na aula de português que um homem desconhecido entrou na sala, tirou duas armas da mochila e começou a atirar. Poderia ser a minha aula. Poderia ser eu. O que eu faria se um homem entrasse na minha sala às 8 horas da manhã e começasse a atirar?
A cena do massacre é a menos ficcional do livro. Ela foi escrita com base nos relatos dos sobreviventes que Daniela conheceu. Muitas das falas e das ações ali descritas aconteceram de verdade. Quando a narradora nos conta que o atirador acertava as meninas na cabeça e no peito para matar, foi isso mesmo que aconteceu. Das 12 vítimas, 10 eram meninas. É importantíssimo que a autora tenha chamado atenção para este fato, porque é também o ódio às mulheres que tem motivado os atentados nos últimos anos. O massacre na escola de Realengo é um dos muitos ápices trágicos que o machismo pode causar.
Liliane lendo o primeiro capítulo do livro
No entanto, "O pior dia de todos" não é apenas a história de um atentado em uma escola, ele é, principalmente, um testemunho sobre o que significa nascer e ser menina no Brasil. Com muita sensibilidade, Daniela construiu personagens complexas e, por isso, conseguiu mostrar como os fios do machismo estão emaranhados nas vidas de qualquer menina. Os sacríficios que fazemos em nome da beleza desde muito cedo, o amadurecimtno forçado que nosso corpo biológico nos impõe por meio da menstruação, o julgamento da nossa sexualidade, as responsabilidades que temos que assumir por sermos reprodutoras, a competitividade feminina, os abusos... está tudo ali.
Por retratar de maneira tão profunda essa realidade, este é um livro que, com certeza, deveria ser lido em todas as escolas. Se, por um lado, ele dá voz às meninas e se faz um espelho no qual elas possam se reconhecer e se sentir acolhidas, por outro ele oferece aos meninos a possibilidade de enxegar essa realidade quase sempre apagada, esse sofrimento escondido, e entender um pouco melhor a vida das meninas que estão sentadas na carteira ao lado.
Eu acabei de reler o livro e também finalizo nesta semana a discussão dessa obra com meus alunos, espero ter conseguido ajudá-los a enxergar toda a beleza e a sensibilidade que há por trás dessa narrativa que, mais do que a história de um massacre, é também uma história sobre amizade, sobre ser menina, sobre ser pobre, sobre crescer, sobre sofrer, sobre superar.
Aos professores e professoras que foram convencidos por mim e decidiram incluir esse livro entre suas leituras, deixo um aviso: eu chorei em todas as tardes que passei preparando as aulas. Em todas. Preparem o lencinho.
Eu ainda preciso refletir um pouco sobre as atividades que realizei durante a leitura do livro. Em breve posto o Plano de Aula por aqui.
Veja abaixo uma entrevista da autora ao Conexão Canal Futura.
Na seção PARA LER NA ESCOLA, você vai sempre encontrar resenhas de livros literários (também conhecidos como paradidáticos) que são adequados para ler com os alunos do Ensino Fundamental 2. Também haverá sugestões de atividades, exercícios e temas que podem ser trabalhados com os alunos durante a leitura.
O PIOR DIA DE TODOS
Daniela Kopsch
Lançado em 2019, 264 p.
Editora Tordesilhas
É um romance terno e perturbador, uma ficção criada a partir de um dia trágico, que realmente aconteceu – o Massacre de Realengo, como ficou conhecido o atentado a uma escola do subúrbio do Rio, em que um ex-aluno matou 12 estudantes, a maioria meninas, em abril de 2011. Não é um livro sobre o massacre, mas sobre a amizade. Escrito por uma jornalista que cobriu o episódio, O PIOR DIA DE TODOS é uma narrativa comovente e original sobre a difícil experiência de crescer menina no Brasil, especialmente quando são poucos os recursos, e a imprevisibilidade da vida nos atropela.
Indicado para: 8º e 9º anos, Ensino Médio
Temas: amizade, atentados a escolas, conflitos da adolescência, desigualdade de gênero, desigualdade social, família.