Começo esse texto fazendo uma observação importante: eu sou professora em uma escola particular e todos meus alunos têm celular, computador próprio e acesso à internet em casa, então este texto é escrito deste lugar e provavelmente não reflete as condições de trabalho da maioria dos professores brasileiros.
Imagino que, assim como eu, você se sentiu perdido com o cancelamento das aulas presenciais por causa do avanço da pandemia do covid-19 pelo Brasil. Eu me formei em 2006, época em que a maioria dos recursos digitais de hoje nem existiam, então não recebi nenhuma formação acadêmica sobre uso de tecnologia ou sobre aula online. Além disso, as escolas funcionam exatamente do mesmo jeito há muuuito tempo e estávamos tão seguros (e até acostumados demais) com essa formatação tradicional que a maioria de nós também não foi atrás de formação continuada. Fomos pegos de surpresa e tivemos que nos reorganizar e replanejar todas as nossas aulas para acontecer de maneira remota. Aliás, ainda não conseguimos nem dar um nome para a escola desses últimos meses: é educação a distância? Aulas online? Ensino remoto? Ensino Híbrido? Ainda estamos aprendendo, por isso achei que seria útil compartilhar aqui algumas reflexões e aprendizados. Estou fazendo cursos e assistindo vídeo-aulas sobre ensino híbrido, metodologias ativas, aulas online, uso de tecnologias etc, o conteúdo das 7 dicas a seguir saiu dessas fontes (listadas no final do texto).
1. A aula expositiva não funciona no ambiente virtual.
Dar aula a distância não é abrir uma vídeo-chamada e fazer uma aula expositiva de 45 minutos exatamente como fazíamos presencialmente. Quem tentou fazer isso (como eu!) com certeza percebeu que é entediante e pouco produtivo. Agora imagine se todos os 6 professores tiverem a brilhante ideia de dar uma aula expositiva por vídeo-chamada naquele dia, qual aluno conseguirá prestar atenção e aprender alguma coisa a partir da segunda vídeo-chamada?
O ideal é que a vídeo-chamada seja um momento para conversar com os alunos, tirar dúvidas, fazer uma discussão (planejada) sobre o conteúdo, compartilhar algum material que os alunos tenham produzido, mas não é o momento de ensinar o conteúdo de maneira expositiva. Como professores, precisamos encontrar outras ferramentas (como vídeo mais curtos, pesquisas e atividades) que cumpram essa função. Não está sendo fácil, mas não teremos sucesso sem essa mudança.
2. O processo avaliativo precisa ser repensado.
Eu odeio prova. Aquele formato padrão de prova com perguntas que os alunos devem responder. Acho maçante, pouco produtiva e chata demais - tanto para os alunos quanto para o professor que precisa corrigir aquele monte de respostas iguais. Mas, como todo professor, eu dou prova, até porque há uma pressão social, dentro e fora da escola, para que isso aconteça. Há o vestibular, a cobrança dos pais e todo um sistema que coloca um valor grande demais nesse tipo tradicional de avaliação.
E qual o objetivo de uma avaliação? É identificar e medir o que os alunos aprenderam (ou não aprenderam) e a prova não é a única maneira de fazer isso. Com o ensino remoto, inclusive, ela é uma maneira pouco eficaz de se avaliar, pois os alunos estão em casa, com computador e celular às mãos, e podem simplesmente googlar a informação para encontrar a resposta correta.
O ideal é repensar as práticas avaliativas e elaborar avaliações que considerem o letramento digital e as funcionalidades da internet. Quando for difícil substituir a prova tradicional, uma alternativa é privilegiar questões discursivas que exijam dos alunos análises e reflexões sobre o conteúdo estudado.
Eu praticamente já abri mão das provas para avaliação de leitura de livros literários (mesmo nas aulas presenciais), ao invés delas faço outras atividades, como discussão e produções de textos: comentários, perfil do personagem, carta, resenha, podcast, infográfico... Mas, confesso, ainda não encontrei uma outra maneira de avaliar os alunos quando o assunto é gramática - se você souber de alguma alternativa, me avise!
3. A flexibilização de conteúdos e expectativas é essencial.
As aulas a distância acontecem num ritmo diferente das aulas presenciais, quase sempre bem mais lento, por isso é importante que sejamos flexíveis tanto em relação a nossas funções quanto às expectativas que temos dos alunos. Não será possível, por exemplo, cumprir todo o conteúdo normalmente estudado em sala de aula, teremos que reavaliar o currículo e escolher quais habilidades e conteúdos são mais essenciais e mais produtivos para trabalhar neste formato. Nos últimos meses, eu priorizei a leitura e produção de texto com meus alunos e o ensino de gramática apareceu quando necessário para a escrita dos textos - eu trabalhei conjunções durante as semanas em que os alunos leram e produziram artigo de opinião, por exemplo.
Além disso, estamos vivendo uma pandemia, com consequências graves e imediatas na vida de todos brasileiros, inclusive dos alunos. Estamos ansiosos e cansados, nesse contexto fica muito difícil exigir deles o mesmo rigor e desempenho de antes. Da mesma maneira que esperamos que a direção da escola seja compreensível com nossa carga de trabalho extra neste momento, também precisamos entender que os alunos podem estar sobrecarregados demais e, assim, fazer algumas concessões.
4. Os alunos não são super experts em tecnologia e precisam aprender a usar recursos digitais.
Muita gente têm a ilusão de que os alunos dominam muito bem o mundo tecnológico, afinal eles já nasceram com um celular na mão. Mas, a verdade é que a maioria das crianças e adolescentes usam celulares apenas para ver vídeos, postar fotos em redes sociais e se comunicar com os amigos. Mesmo as ferramentas em alta entre os adolescente, como o Tik-Tok, podem ser desconhecidas para alguns alunos.
Geralmente eles não sabem pesquisar informações, editar um texto ou elaborar uma apresentação em slide legal e organizada. Adolescentes não fazem um uso muito crítico ou produtivo das ferramentas digitais e é papel da escola propiciar a eles o desenvolvimento dessas habilidades.
Por isso, se você espera que seus alunos produzam um podcast, por exemplo, você precisa ensiná-los a usar as ferramentas necessárias para isso, então inclua no planejamento uma ou duas aulas para que os alunos assistam a tutoriais e se familiarizem com os recursos antes de utilizá-los efetivamente. E isso está conectado com o próximo item.
5. A divisão escola-casa não existe mais (ao menos por enquanto).
Agora que os alunos estão estudando em suas próprias casas, não faz mais sentido separar as atividades em atividade da aula e tarefa de casa. Ao planejar suas aulas, pense quanto tempo você quer que seus alunos estudem naquela semana e escolha atividades que possam ser elaboradas dentro deste período - que, de preferência, precisa corresponder ao tempo que você teria em sala de aula. Por isso, se os alunos precisam assistir a um tutorial para aprender a editar um podcast, esse tempo precisa estar incluso na aula, não pode ser uma atividade extra pra fazer "depois da aula".
Ao planejar cada aula, eu tenho elaborado atividades que possam ser feitas em 20-30 minutos, pois assim os alunos com mais dificuldades ou aqueles que são mais lentos conseguirão terminá-la dentro do tempo de 45 minutos de aula. Além disso, ao trabalhar um projeto com os alunos (como a produção de um podcast), eu separo o projeto em etapas e deixo claro quantas aulas eles devem usar para cada uma delas, isso ajuda os alunos a organizar melhor o tempo e também me ajudou a acompanhar a evolução deles e ver quem estava atrasado.
6. As plataformas e atividades precisam ser bem organizadas e a aparência importa.
Existem algumas plataformas gratuitas que podem ajudar os professores na organização e disponibilização das atividades, como o Google Sala de Aula (Google Classroom). Ao postar cada atividade, lembre-se de explicar de maneira clara:
Qual é objetivo da atividade e como será avaliada;
O que deve ser feito;
Como deve ser feito (os alunos vão utilizar uma ferramenta específica?);
Onde a atividade deve ser feita e/ou postada; e
Qual é o prazo para finalizá-la.
A organização visual também é muito importante, os alunos precisam conseguir navegar sozinhos pela sua instrução e entender o que precisa ser feito sem precisar te escrever um e-mail. Além disso, se o material for visualmente agradável e bonito, a navegação ficará mais fácil e prazerosa.
No início das aulas a distância, eu escrevia as instruções das atividades no Google Docs e depois passei a fazer um roteiro semanal no Google Slides. Os alunos gostaram mais da segunda opção. Ainda não estou muito feliz com esse template que criei, mas compartilho com vocês neste link caso queiram copiar e/ou se inspirar.
7. Recursos tecnológicos também podem ser entediantes.
Se você fez algum curso ou assistiu a alguma live dando dicas sobre como dar aulas online, deve ter se sentido sufocada pela quantidade de aplicativos, sites e ferramentas que nem sabia que existiam e que agora precisa usar na sua aula. Mas não precisa. Se tentarmos usar todas as ferramentas disponíveis vamos confundir os alunos e nos sobrecarregar.
Dê preferência para as ferramentas que você já conhece e já usava. Se você usava o Google Docs para fazer produção de texto, ótimo, continue usando. Só inclua outros recursos se eles realmente forem pertinentes para o objetivo da sua aula, relevantes para o currículo e significativos para os alunos. Quando os recursos são usados com propósito, eles podem deixar a aula mais interessante e dinâmica e engajar mais os alunos, mas se forem usados apenas para provar que você está variando muito as ferramentas das suas aulas, o efeito pode ser o inverso: a aula ficará entediante e os alunos, desmotivados.
O mesmo vale para o conteúdo. Agora que usar o computador é mandatório, podemos nos empolgar demais e pedir para que os alunos vejam mil vídeos, leiam mil sites e ouçam mil podcasts, o que será desgastante. Como professor, também é nosso papel fazer uma curadoria dos materiais que serão consumidos pelos alunos e o ideal é variar as atividades ao longo do tempo e não necessariamente na mesma aula. Se os alunos vão assistir a um vídeo hoje, deixe o podcast para amanhã (ou semana que vem).
Se você está gostando das dicas, me acompanhe também no meu perfil no instagram Na aula de português. Lá eu compartilho mais informações, outras dicas e faço tutoriais de recursos digitais nos stories.
Aula "Letramento Digital: das práticas tímidas aos usos radicais na pandemia"
Live com a Profa. Dra. Ana Elisa Ribeiro, especialista em letramento digital, realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Blumenau.
Aula "Novas construções sociais de aprendizagem"
Live com o professor José Pacheco, idealizador da Escola da Ponte (Porto-Portugal), realizada pela Árvore Educação.
Cursos gratuitos da Nova Escola
Nos últimos meses, a Nova Escola fez duas séries de aulas online, o Educação em rede e o Conexão educativa, todas relacionadas ao uso de tecnologias e práticas pedagógicas no ambiente digital.
Curso "Designing for Online Learning" da Global Online Academy
É um curso gratuito e com certificado, mas em inglês.
Curso "Ensino Híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação" da Fundação Lemann e Instituto Península
Outro curso gratuito, mas para receber o certificado é preciso pagar.
Eu tenho muitas ressalvas em relação à Fundação Lemann (e a essa história de fundação financiada por bilionários) e algumas discordâncias do conteúdo (como a valorização excessiva da tecnologia), mas o curso é bem feito e foi elaborado por uma das pesquisadoreas brasileiras especialistas no assunto, a Lilian Bacich. A partir das aulas, pude repensar muitas práticas minhas, por isso estou recomendando.
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